Em 16 de maio de 2019, data que coincidiu com o Dia Nacional dos Cientistas, foi publicado em Diário da República o Decreto-Lei n.º 63/2019, conhecido como a Lei da Ciência em Portugal.
Por que foi necessária?
Antes deste diploma, o regime jurídico aplicável às instituições de investigação e desenvolvimento (I&D) estava desatualizado — remontava a cerca de 20 anos atrás. A nova Lei surge para responder às fragilidades desse modelo antigo e adaptar o sistema científico português às exigências europeias e internacionais.
Que mudanças introduz? O Decreto-Lei trouxe cinco eixos fundamentais de modernização:
- Reforço do contexto institucional
- Reconfigura e diversifica as entidades que compõem o Sistema Nacional de Ciência e Tecnologia, promovendo maior integração e presença no território.
- Valorização do capital humano
- Estimula o emprego científico e define condições laborais adequadas para investigadores, com vista a valorizar carreiras científicas e promover o rejuvenescimento do setor.
- Responsabilidade social, científica e cultural
- Realça o papel da ciência na sociedade, promovendo cultura científica, divulgação do conhecimento e atuação pública planeada.
- Internacionalização
- Incentiva a colaboração científica a nível global, a participação em redes internacionais e a formação de cientistas na língua portuguesa.
- Fortalecimento dos mecanismos do Estado no setor
- Define novas normas para a avaliação institucional e o financiamento da I&D, além de reforçar o registo e a análise de dados sobre atividades científicas.
O diploma, além de modernizar os instrumentos legais, estabelece um conjunto de artigos fundamentais, distribuídos por temas como:
- Liberdade de investigação, integridade científica, ciência aberta e promoção da cultura científica;
- Definição e organização das instituições de investigação (unidades, laboratórios, centros de inovação, infraestruturas, redes, etc.);
- Órgãos consultivos e de avaliação, incluindo o Conselho Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação, além da rede Ciência Viva.
Além disso, o diploma foi tido como um passo para responder às recomendações da OCDE, após a avaliação do sistema de ensino superior, ciência, tecnologia e inovação portuguesa entre 2016 e 2017.
Quais as repercussões que eram esperadas?
O regime anterior era focado em bolsas e iniciação à investigação; o novo diploma promove contratos de trabalho mais estáveis, especialmente para pesquisadores doutorados e pós-doutoramento.
Regulariza o ensino superior à distância, permitindo a sua expansão e integração no sistema educativo — com especial destaque para a Universidade Aberta — respondendo ao objetivo de formar “50 000 adultos até 2030”
Apesar de reconhecer a importância da Lei da Ciência e do seu papel na modernização do sistema científico nacional, não posso deixar de partilhar algumas reservas relativamente à recente decisão do Governo de integrar a FCT na ANI.
A FCT sempre teve como missão central o financiamento da ciência fundamental e o apoio à investigação de base, enquanto a ANI se orienta para a inovação aplicada e a ligação ao tecido empresarial. São missões complementares, é certo, mas com lógicas, tempos e métricas de sucesso muito diferentes.
A minha dúvida é se, ao juntar estas duas entidades, não corremos o risco de diluir o foco na ciência pura em nome de métricas mais imediatas e de retorno económico. A ciência fundamental, por natureza, exige investimento paciente e visão de longo prazo — muitas vezes sem resultados comerciais imediatos, mas absolutamente essenciais para o avanço do conhecimento.
Por outro lado, uma integração bem pensada poderia, em teoria, aproximar investigadores e empresas, potenciando projetos mais robustos e soluções com impacto social direto. Mas para isso é fundamental que a nova estrutura garanta autonomia de decisão e recursos dedicados a cada vertente.
Fica, portanto, a minha expectativa — e preocupação — de que esta fusão não comprometa a diversidade e independência que sempre caracterizaram o sistema científico português.